Processo Físico nº:0006237-72.2013.8.26.0106
Classe - Assunto: Procedimento Comum - Responsabilidade Civil
Requerente: 'MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
Requerido:Névio Luiz Aranha Dártora e outros
Juiz(a) de Direito: Dr(a).PETERECK SCHMIEDT
Vistos.
Trata-se de ação civil pública ajuizada por MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO contra NÉVIO LUIZ ARANHA DÁRTORA, SIDNEI DE MORAES e JOSÉ DE LIMA CÉSAR FILHO.
Em suas razões, alega o requerente que os réus devem ser solidariamente condenados por ato de improbidade administrativa, pois realizaram obra de arruamento crianço uma ligação entre a Rua Minas Gerais e a avenida Waldemar Gomes Marino. A obra não foi precedida de projeto executivo nem planta ou qualquer outra formalidade, executada diretamente pela prefeitura, sendo que a obra foi entregue no final de 2008 e já no começo de 2009 precisou de reparos.Assim, o autor entende que a conduta imperita e negligente dos réus impôs ao Município de Caieiras o prejuízo de R$999.515,40 por conta de obras de reparo que precisaram ser feitas pelo prefeito posterior. Além disso, o autor afirma que a obra causou dano ambiental por falta de planejamento ou licenças, conforme laudo do CAEX (fls. 162).Formulou pedido de tutela antecipada para que fossem declarada a indisponibilidade dos bens dos requeridos até o limite de R$ 999.515,40.Com a inicial, vieram documentos.
A liminar foi deferida para decretar a indisponibilidade dos bens dos requeridos (fls. 320). Os réus foram notificados na forma do artigo 17, § 7º, da Lei 8.429/92.Os réus apresentaram suas defesas escritas(fls. 506/530, 606/641 e 642/656). As matérias alegadas como preliminares nas defesas foram rejeitadas a fls. 735.Assim, os réus foram citados e ofereceram suas contestações (fls. 739/741, 763 e 809/828).Houve réplica (fls. 831/832). O feito foi saneado e determinada a produção de prova oral (fls. 833).Durante a instrução foi tomado o depoimento pessoal dos réus e foram ouvidas oito testemunhas (fls. 1182/1194). O autor pediu a procedência da ação somente quanto aos réus Névio e Sidnei,ao passo que os réus pediram a improcedência da ação (fls.1203/1221, 1224/1243 e 1245/1255).Este o relatório do essencial, passo a fundamentar e a decidir. No mérito,a ação é parcialmente procedente.Em primeiro lugar, tenho que não comprovada a alegação quanto a dano ambiental causada na obra de ligação da Rua Minas Gerais e Avenida Waldemar Gomes Marino. Isto porque embora o autor tenha apresentado laudo do CAEX atestando que a obra foi realizada sem licenças ambientais,existe prova nos autos de que a obra não acarretou dano ambiental e que houve a concordância da secretaria municipal do meio ambiente (fls. 412 e 416). Assim, resta analisar se houve ato de improbidade administrativa com dano ao Erário com base no artigo 10, X, da Lei 8.429/92, como afirmado pelo autor.
Em seu depoimento pessoal o réu Névio disseque a obra era necessária para abrir um acesso aos moradores do bairro. Não houve licitação porque usaram a mão de obra da própria prefeitura. Não soube dizer quanto foi gasto, mas disseque houve orçamento. Disse que a rua estava em ordem para ser usada no fim de 2008 e foi inaugurada. Disse que a contenção ainda não estava pronta, tinha que ser feita pelo próximo prefeito, mas que não falou isso para ele, pois era seu adversário. Disse que Sidnei era o secretário de obras.Em seu depoimento pessoal o réu Sidnei disseque foi secretário de obras por 8 anos, sendo que houve uma indicação da obra por um vereador. Decidiram em uma reunião transformar o escadão existente no local em uma rua. Disse que houve economia com a própria prefeitura fazendo a obra.Apareceram fissuras na gestão do prefeito seguinte e chamaram o IPT, que disseram que a obra precisava de correções.Contudo, houve muitas chuvas em 2010 e houve um desmoronamento.O réu José de Lima César Filho disse que era na época dos fatos direitor de projetos e não teve qualquer participação na obra. A testemunha Gerson Moreira Romero disseque assumiu como secretario de obras em 2009 e disse que a chuva fez a rua ceder um pouco, de modo que fizeram reparos por conta da própria Municipalidade. Chamaram o IPT para avaliar a obra e gastaram cerca de 150 mil nessa obra. Em 2010 houve chuvas mais intensas e decretaram estado de emergência na cidade, e aí tiveram de fazer um muro de arrimo na obra, receberam uma verba federal para tanto. Em 2010 vários lugares na cidade tiveram problemas por conta das chuvas, o que cedeu foi o talude, não a rua em si.A testemunha Naohiko Suguimati disse que foi secretário de obras em 2009, disse que faltavam obras complementares na rua e a chuva atípica da época ocasionou desmoronamentos. No primeiro reparo chamaram o IPT para avaliar a obra e disseram que deveria ser dado continuidade ao que estava sendo feito. Em 2010 foi feita uma contenção definitiva com verba do governo federal, pois houve um deslizamento.A testemunha Wilson Shiguemitsu Otai disseque foi secretário de janeiro a abril de 2009, tiveram problemas por conta das chuvas e não participou de reparos nessa rua. O IPT veio fazer um diagnóstico após a testemunha ter saído.Fizeram uma tentativa de não agravar o problema. A testemunha Andressa Betina Pasti disse que é arquiteta e que entrou na prefeitura em agosto de 2009. Disseque a rua cedeu por conta das chuvas. Disse que achava que as obras de contenção não eram necessárias antes de entregara obra porque era uma continuação, mas no meio disso vieram as chuvas.A testemunha Luiz Antonio Celeguim Soares da Silva disse que é atualmente secretário de obras e que na época era assessor de gabinete. Não participou das obras antes de 2009 e disse que houve vários problemas na cidade por conta das chuvas. Tiveram que fazer contenção e muro de arrimo.A testemunha Adriano César da Silveira Zambelli disse que foi vereador de 2001 a 2012 e disse que é morador do bairro beneficiado pela obra. Disse que precisavam de uma nova entrada para os bairros e indicou a obra.A testemunha Vagner Galera disse que Caieiras precisava dessa obra e que houve um desmoronamento com as chuvas. Disse que já trabalhou com o réu Sidnei e que ele era muito competente. A testemunha José Luiz de Oliveira Filho disseque foi secretário do meio ambiente e que disse que era necessário consultar o DPRN. Disse que havia na época um parecer de uma bióloga dizendo que era favorável à obra e que não haveria dano ambiental. Pela análise da prova oral e documental produzida nos autos, concluo que houve de fato negligência no trato da coisa pública, mas apenas por parte do réu Névio, então prefeito, que optou por construir a obra de maneira muito informal e a inaugurou em dezembro de 2008, ou seja, no seu último mês de mandato sabendo que o prefeito que assumiria a cidade em janeiro era seu adversário. Para se caracterizar o ato de improbidade do artigo 10, X, da Lei 8.429/92 basta a culpa em sentido estrito, não sendo necessário a prova de dolo. Nesse sentido a tese 1 da edição 38 da "Jurisprudência em Teses" do STJ: "É inadmissível a responsabilidade objetiva na aplicação da Lei 8.429/92, exigindo-se a presença de dolo nos casos dos artigos 9º e 11, e ao menos de culpa nos termos do artigo 10,que censura os atos de improbidade por dano ao Erário".O ato do réu Névio de inaugurar obra inacabada, sem as contenções laterais, sabedor da época tradicionalmente de chuvas que se aproximava, causou dano ao Erário no montante de R$ 849.515,40, que foi quanto custou fazer a contenção definitiva da obra para que durasse até dos dias de hoje, algo que o então prefeito e ora réu deveria ter cuidado para acontecer. Não reputo comprovado o dano de R$150.000,00 (fls. 190), pois o Município afirmou que se utilizou de materiais em estoque e sua própria mão de obra, sendo um valor estimado, não havendo prova segura do valor dispendido.Dessa forma, não se pode concluir que tal prejuízo foi comprovado. Nesse sentido:
"a atual jurisprudência do STJ é no sentido de que para a configuração dos atos de improbidade administrativa previstos no art. 10da Lei de Improbidade Administrativa (atos de Improbidade Administrativa que causam prejuízo ao erário), com a exceção da conduta do art.10, VIII,exige-se a presença do efetivo dano ao erário (critério objetivo)" (AgInt noREsp 1.542.025/MG, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe 12/06/2018).
Quanto ao réu José, adoto os fundamentos expendidos pelo MP a fls. 1218/1219, eis que de fato não se constatou qualquer participação sua na obra que causou dano ao Erário.Quanto ao réu Sidnei, entendo que a ação também deve ser julgada improcedente. Isto porque embora a obra tenha sido realizada de maneira informal, sem um projeto e sendo Sidnei o secretário de obras, verifica-se que o erro consistiu em entregar a obra muito perto da época de chuvas sem terminar a contenção lateral, que era necessário para conter a erosão causada pela água em uma subida como é a Rua Olindo Adami. E a inauguração é uma decisão do chefe do Executivo, não do secretário de obras.Assim, comprovadas nos autos as condutas do art. 10, caput, e X, da Lei 8.429/92 quanto ao réu Névio: Art.10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial,desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente:X – agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público; Desta forma, fica o réu Névio sujeito às penalidades do artigo 12, II, da Lei 8.429/92:“na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 5 (cinco) a 8 (oito)anos, pagamento de multa civil de até 2 (duas) vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 5 (cinco) anos;”O valor do prejuízo ao Erário é de R$849.515,40. Quanto aos juros e correção monetária deve-se observar o quanto decidido pelo STF no Tema 810 e STJ no Tema 905. No novo cenário, estabeleceu-se que:
1) Quanto à correção monetária, não se aplica a Lei nº 11.960/09.
2) Quanto aos juros de mora:
a. Sendo débitos de natureza tributária, eles não mais incidem segundo percentual pago pela poupança, e sim no utilizado pela Fazenda ao cobrar os débitos tributários (SELIC).
b. Sendo débitos de natureza não-tributária, eles permanecem sendo pagos segundo o percentual da poupança. Nessa hipótese, restou mantida a regra do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com redação dada pela Lei nº 11.960/09. Especificamente quanto ao caso dos autos(condenações de natureza administrativa em geral), o C. Superior Tribunal de Justiça estabeleceu os seguintes parâmetros a serem seguidos: a. - até dezembro/2002: juros de mora de 0,5% ao mês; correção monetária de acordo com os índices previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal, com destaque para a incidência do IPCA-E a partir de janeiro/2001;b. - no período posterior à vigência do CC/2002 e anterior à vigência da Lei 11.960/2009: juros de mora correspondentes à taxa Selic,vedada a cumulação com qualquer outro índice;
c. - período posterior à vigência da Lei 11.960/2009: juros de mora segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança; correção monetária com base no IPCA-E.”Inaplicável a sanção de perda de função pública,pois o réu não exerce nenhuma função pública.
Aplico também as penalidades de suspensão dos direitos políticos por cinco anos, proibição de contratar com o Poder Público pelo prazo de 5 anos e multa civil no valor de uma vez o dano causado ao Erário.
Pelo exposto,julgo parcialmente procedente a ação, resolvendo o mérito com base no artigo 487, I, do Código de Processo Civil, e o faço para condenar o réu Névio Luiz Aranha Dártora por condutas subsumidas no artigo 10,caput, e inciso X, da Lei 8.429/92, e o condeno a restituir ao Erário o valor do prejuízo de R$ 849,515,40, com os juros e correção acima especificados e demais sanções de improbidade fixadas no parágrafo anterior.
Julgo improcedente a ação quanto aos réus Sidnei e José.
Deixo de condenar o réu em custas e honorários, pois o autor tem a destinação institucional de promover ações como esta para a defesa de interesse difusos e coletivos.
Determino o desbloqueio dos bens dos réus Sidnei e José.
Expeça-se o necessário.P.R.I.C.
Caieiras, 24 de setembro de 2018
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